Mais uma vez o acento grave
No Instagram, após a publicação de um post referente a pedidos de algumas pessoas para iniciar uma nova turma do nosso Curso de Formação em Revisores, agora à distância, surgiu uma agradável discussão entre três seguidores educados e bons conhecedores da língua portuguesa.
Alysson Franco concordou com a ausência do acento grave em “a pedidos”, que era o gancho para a necessidade do curso, mas discordou da necessidade do acento em “à distância”. Amanda Pessoa disse que devia ser com acento mesmo para evitar possível ambiguidade. E Marcel Cruz considerou que as explicações (da Amanda e minha) não convenceram.
Vamos por partes. Não se deve confundir crase com acento grave. Este serve para marcar a ocorrência daquela, quando ela for sintática, isto é, consequência da regência nominal ou verbal, mas não existe reciprocidade. A saber, nem todo acento grave é um caso de crase.
São três os casos de crase, ou seja, de fusão de duas vogais iguais, que se devem marcar com o acento grave:
1) Preposição “a” com artigo “a” ou “as”:
a) Renunciou à nova posição no partido.
b) Dirigiu-se às lideranças da economia.
2) Preposição “a” com pronome demonstrativo “a” ou “as”:
c) Fez referência à de vermelho.
d) Falou diretamente às que estavam de pé.
3) Preposição “a” com a vogal inicial dos pronomes demonstrativos “aquele(s)” ou “aquela(s)” e “aquilo”:
e) Chegarei cedo àquele lugar.
f) A ida àquela região no inverno é uma bela experiência.
g) Referiu-se àquilo como uma incongruência.
Veja que todos eles estão marcados com o acento grave.
Há, porém, certos casos em que se usa o acento grave para evitar ambiguidade. Veja-os abaixo. Não são casos de crase! Não existe a fusão de duas vogais iguais.
h) No nosso estado, está na hora de se aprender a distância.
Pode-se estar falando da diferença, por exemplo, entre práticas antigas e novas na política. Assim, vamos imaginá-la no seguinte contexto: “Práticas de corrupção empobreceram o Estado do Rio de Janeiro. Muita coisa vai mudar! No nosso estado, está na hora de se aprender a distância. Agora, vai ficar cada vez mais clara a diferença entre o futuro e o passado.”
“A distância” é o sujeito paciente do verbo “aprender”, é o que “se deve aprender”. O “a” é apenas o artigo.
i) No nosso estado, está na hora de se aprender à distância.
Não há dúvida de que, agora, se está falando de uma modalidade de ensino. Acabou o problema! O acento grave foi o diferencial.
Acontece o mesmo nos exemplos abaixo:
j) A senhora. por total necessidade, vendeu a vista.
Pode-se interpretar que se trata da venda de um olho ou mesmo de uma casa que permite um panorama agradável. “A vista” é o objeto direto de “vender”.
k) A senhora, por total necessidade, vendeu à vista.
Mais uma vez, acabou a dúvida. Está-se falando de uma modalidade de venda. Acabou o problema! O acento grave foi o diferencial.
Tal ensinamento aparecia assim em gramáticas de Portugal e em livros brasileiros, sobre nossa língua, lá nos idos dos anos 50.
Mas a verdade é que um conjunto de situações fez-nos perder o contato com esse caso. Primeiro, o fato de que nós não fazemos diferença entre o “a” aberto e o “a” fechado, o que ocorre em Portugal. Segundo, uma solução usada pelo professor Adriano da Gama Kury agradou a muitos autores, que passaram a segui-lo. Aliás, muita gente boa ainda usa essa diferença:
l) Todos nos olhavam a distância.
É uma distância não determinada.
m) O alvo foi colocado à distância de 50 metros.
Agora, temos uma distância determinada.
Entretanto, no início deste século, com novos ventos soprando em direção à necessidade de clareza, a própria Academia Brasileira de Letras passou a recomendar a volta do acento gráfico diferencial.
Permitam-me, agora, uma frase maliciosa (e machista – desculpem-me, é só um exemplo) para concluir a necessidade de tal acento
n) Gosto mesmo é de comer à francesa, não se trata de comer a francesa.
Abraços!