Fantasmas da Análise sintática 23) Adjetivos só podem ser predicativos?

Professor, li, em um manual de língua portuguesa, que adjetivos são predicativos. Sempre?

A resposta é não. Adjetivos podem ser predicativos e adjuntos adnominais. Há uma diferença sintática e outra semântica. Tudo poderia se resumir na colocação do adjetivo em relação ao substantivo. Veja só:

a)     A cidade despertou assustada.

b)    A cidade assustada despertou.

c)     Os professores consideram ótima a explicação.

d)    Os professores consideram a ótima explicação.

No exemplo “a”, “assustada” é predicativo do sujeito, pois vem separado do sujeito a que se refere pelo verbo de ligação. Em “b”, o adjetivo faz parte de um agrupamento sintático, o sujeito “A cidade assustada”; sendo, portanto, adjunto adnominal. Perceba que essa diferença também é nítida em “c”: “ótima” não faz parte do agrupamento sintático objeto direto, “a explicação”; é, assim, predicativo do objeto direto. Finalmente, na frase “d”, o objeto direto é “a ótima explicação”, sendo “ótima” um adjunto adnominal.

Há, ainda, uma diferença semântica, que é possível perceber: nos exemplos “a” e “c”, veem-se condições atribuídas ao sujeito e ao objeto: “assustada” não é uma condição inerente à “cidade”, pois ela ficou assim ao “despertar”; e “ótima” não é inerente à “explicação”, já que ela apenas foi considerada dessa forma. Isso marca o predicativo.

Nos exemplos “b” e “d”, “assustada” é qualidade inerente à “cidade”. Ela é “assustada”; e “ótima” é qualidade inerente à “explicação”, chegando a alterar o sentido do verbo, que não mais significa “julgar”, “imaginar”, mas, sim, “validar”, “levar em consideração”. Tal fato revela o adjunto adnominal.

O problema maior ocorre quando o adjetivo vem logo depois do substantivo, junto dele, e só é possível perceber a distinção por um pequeno detalhe, a existência de uma pequena pausa.

e)    O tribunal julgou o réu inocente.

f)     O tribunal julgou o réu inocente.

Na língua escrita, não é possível notar a diferença, mas, na fala, na frase “e”, há uma pequena pausa entre “o réu” e “inocente”, separando “inocente” de “o réu”. Isso ficaria mais claro em qualquer das duas situações seguintes: a simples inversão e a formação de voz passiva.

g)    O tribunal julgou inocente o réu.

h)    O réu foi julgado inocente pelo tribunal.

Veja que “inocente”, nas duas situações, desprendeu-se do “réu”; por isso é predicativo do objeto.

Em “f”, em que não há pausa, considerando outras construções, repare que “inocente” não se separaria de “réu”:

i)      O tribunal julgou o inocente réu.

j)      O réu inocente foi julgado pelo tribunal.

Assim, são exemplos de adjuntos adnominais.

Sutilezas e fragilidades de uma língua quase perfeita!